Graças à vacinação em massa desde o início de 2021, a Covid-19 estava praticamente esquecida pela maioria da população nos últimos meses, mas agora começa a dar sinais de um aumento significativo de novos casos. Historicamente, os primeiros sinais do crescimento das infecções no país começam pela rede privada. Dados da Abramed (Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica), cujos associados realizam cerca de 60% de todos os testes da saúde suplementar no país, mostram que a taxa positividade dos exames saltou de 3,7% no começo de outubro para 23,1% na primeira semana de novembro.
A doença continuará a ser uma preocupação de saúde pública no Brasil nos próximos meses, e as estratégias para enfrentar esta doença, que matou em média 187 pessoas por dia em 2022, precisarão ser revistas, na avaliação de especialistas ouvidos pelo R7. A principal delas diz respeito à vacinação, já que a obrigatoriedade do uso de máscaras, por exemplo, não existe mais.
O médico Renato Kfouri, membro da diretoria da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações), afirma não ser possível prever quando a vacina contra a Covid-19 estará no Calendário Nacional de Vacinação, mas entende que deve ser necessário “pelo menos um reforço” em 2023 – e não com as vacinas usadas até então.
“A tendência hoje é que se inclua a variante Ômicron na formulação das vacinas. As bivalentes parecem ser um caminho natural para que a gente faça as doses de reforço já no ano que vem. Mesmo que a vacina [atual] proteja de formas graves [da doença], também é importante que proteja de formas leves, de visitas aos serviços de saúde, faltas ao trabalho. Melhorar a vacina no sentido de voltar a proteger de formas leves é desejado.”
Já circula no Brasil a subvariante da Ômicron BQ.1.1, que tem provocado um aumento de infecções no hemisfério norte. No Rio de Janeiro, a Secretaria Municipal de Saúde está pedindo aos moradores que ainda não tomaram o último reforço que procurem os postos de saúde. Existe a suspeita de que o avanço da subvariante da Ômicron, associado à queda da imunidade, esteja relacionado ao aumento de casos.
O vice-presidente da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia), Alexandre Naime Barbosa, que chefia o Departamento de Infectologia da Unesp (Universidade Estadual Paulista) em Botucatu, acrescenta que “as pessoas completamente vacinadas, com três ou quatro doses, não se beneficiam de mais doses” dos imunizantes usados até então.
Isto porque o coronavírus SARS-CoV-2 utilizado na formulação das vacinas de primeira geração é a cepa descoberta em Wuhan, na China, no fim de 2019. De lá para cá, o vírus sofreu uma série de mutações genéticas significativas, chegando à Ômicron e suas subvariantes. Pfizer e Moderna desenvolveram nos últimos meses vacinas bivalentes, que mantêm a proteção contra a cepa de Wuhan, mas também induzem imunidade contra a Ômicron. São estas que devem, na avaliação dos especialistas, ser disponibilizadas no SUS.
Barbosa chama atenção para o fato de muitas pessoas dos grupos terem recebido o segundo reforço no começo do ano e, portanto, já tiveram uma perda da imunidade. É o caso de idosos, indivíduos com doenças crônicas (diabetes, hipertensão e obesidade, principalmente) ou imunossuprimidos (transplantados de órgãos sólidos, pessoas em tratamento quimioterápico e portadores de doenças autoimunes).
Para se ter ideia, 67% dos 55.136 mortos por Covid-19 entre 1º de janeiro e 29 de outubro tinham mais de 70 anos, segundo o boletim epidemiológico mais recente do Ministério da Saúde. Em números, 36.824 pessoas com mais de 70 anos perderam a vida para a Covid.
“Eles têm a duração da imunidade menor, porque não respondem igual [aos imunizantes], não têm a mesma capacidade de fabricação de anticorpos, em ativação de resposta imune celular. A intensidade é menor e a duração é menor”, explica o infectologista da SBI.
Em São Paulo, a primeira morte de uma pessoa com Covid-19 causada pela BQ.1.1 foi justamente de uma idosa de 72 anos que vivia acamada.
“Era uma paciente que já tinha comorbidades. Não temos o detalhamento neste momento da condição vacinal, mas a vigilância epidemiológica está analisando as informações”, declarou na terça-feira (8), o secretário de Estado da Saúde de São Paulo, Jean Gorinchteyn.
Tramita desde agosto na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) um pedido da Pfizer para registro da vacina bivalente. Não há previsão de quando o processo será concluído.
O imunizante já foi liberado para ser usado como reforço nos Estados Unidos, União Europeia, Japão, Chile, Israel, Costa Rica e Honduras.
Em nota enviada ao R7, a Pfizer diz que espera que a duração da imunidade conferida pelo novo imunizante “seja maior do que as vacinas originais”.
Com oferta limitada, já que o imunizante da Moderna não está no radar para uso no Brasil até o momento, espera-se que o da Pfizer seja destinado inicialmente aos grupos mais vulneráveis, com maior risco de complicações causadas pela Covid-19.
“A ideia é que a vacina bivalente, quando aprovada no Brasil, seja aplicada nesses grupos que são mais vulneráveis. E também, um segundo grupo seriam as pessoas mais expostas, como profissionais de saúde”, complementa Barbosa, ao dizer que isto deveria ser feito “o quanto antes”.
Outra grande fornecedoras de vacinas anti-Covid para o Ministério da Saúde é a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), que firmou um acordo de transferência tecnológica com a farmacêutica AstraZeneca para a produção nacional do imunizante desenvolvido pela Universidade de Oxford. Não há, entretanto, planos para atualização dessa fórmula.
“Essa é uma cobrança que o Ministério da Saúde deve fazer à Fiocruz e à AstraZeneca, de atualizar a vacina. Até onde eu vi posicionamentos da AstraZeneca não havia avanços neste sentido. Eles continuam achando que proteger contra formas graves da doença é suficiente, o que não é a opinião da maioria dos especialistas. A maioria entende que contemplar a Ômicron na vacinação traria benefícios”, avalia Kfouri.
O R7 questionou o Ministério da Saúde sobre os planos de vacinação contra a Covid-19 no país e eventual compra de vacinas atualizadas.
Em nota, a pasta disse que “acompanha com atenção os estudos e inovações tecnológica nos tratamentos relacionados à Covid-19” e informou que o contrato atual com fornecedores já “contempla a entrega de vacinas com cepas atualizadas, desde que aprovadas pela Anvisa”.
Novas ondas
A Europa prevê uma nova onda de Covid-19 nas próximas semanas, impulsionada principalmente pelas subvariantes da Ômicron BQ.1 e BQ.1.1, que já foram identificadas em pelo menos cinco países do continente.
Segundo o ECDC (Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças, na sigla em inglês), a BQ.1 pode se tornar predominante no final de novembro ou início de dezembro. O órgão sanitário não afirma se ela está associada a casos mais graves de Covid-19, mas diz que “sabe-se que tem alta capacidade de evitar a imunidade obtida por vacinação ou contágio natural, inclusive pela Ômicron”.
Aqui no Brasil, a questão principal é se haverá efeito significativo destas subvariantes nas taxas de transmissão do vírus e, principalmente, nas hospitalizações. Já houve ondas de Covid-19 do hemisfério norte que se reproduziram no Brasil, mas outras não tiveram impacto aqui.
Para Kfouri, “nem sempre essas mutações se traduzem em novas ondas”.”Isso vai depender muito da quantidade de vacinados naquela população, do quão recente foi a última onda… A gente já passou por várias variantes aqui e tivemos três ou quatro ondas importantes. Tivemos mais variantes do que ondas”, finaliza.
Leia o comunicado do Ministério da Saúde na íntegra:
“As vacinas Covid-19 fornecidas pelo Ministério da Saúde são as últimas versões aprovadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A pasta acompanha com atenção os estudos e inovações tecnológica nos tratamentos relacionados à Covid-19. O atual contrato com os fornecedores contempla a entrega de vacinas com cepas atualizadas, desde que aprovadas pela Anvisa.”