12 de dezembro de 2025

Câmara dos Deputados aprova suspensão de processo penal no STF contra Ramagem e estende proteção a Bolsonaro e aliados

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POLÍTICA | Medida aprovada por 315 votos a 143 confronta diretamente o Supremo Tribunal Federal, que já sinalizou que não acatará a decisão. Juristas veem tentativa de blindagem institucional aos investigados por tentativa de golpe de Estado.

A Câmara dos Deputados aprovou na noite desta quarta-feira (7) um projeto de resolução polêmico e sem precedentes recentes: a sustação do processo penal movido no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), denunciado por envolvimento em uma tentativa de golpe de Estado. O projeto, porém, não se limita ao parlamentar — estende seus efeitos também ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e a outros 32 investigados pela Procuradoria-Geral da República (PGR), criando um embate direto com o STF e acirrando a já instável relação entre os Poderes da República.

A proposta foi aprovada por 315 votos a favor e 143 contrários. A maioria dos votos favoráveis veio da oposição ao governo Lula e dos partidos do chamado Centrão, bloco informal que tem desempenhado papel estratégico nas votações de interesse do Executivo e da direita.

O projeto, de autoria do PL, susta a tramitação da Petição nº 12.100 no STF, processo no qual Ramagem, Bolsonaro e outros aliados foram denunciados por participação em uma suposta tentativa de ruptura institucional, baseada na articulação de um golpe militar para impedir a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. A denúncia da PGR imputa aos acusados crimes como tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, organização criminosa e golpe de Estado.

Base constitucional contestada

A base legal invocada pela Câmara está no artigo 53, §3º, da Constituição Federal, que permite à Casa Legislativa, por maioria absoluta, sustar o andamento de processo criminal contra um de seus membros, desde que os supostos crimes tenham sido cometidos após a diplomação do parlamentar. O projeto aprovado, no entanto, amplia essa prerrogativa para todos os denunciados no processo, inclusive para Bolsonaro, que não detém mandato parlamentar nem foro privilegiado.

Na tribuna, o relator do projeto, deputado Alfredo Gaspar (União Brasil-AL), afirmou que a sustação do processo contra Ramagem implicaria, automaticamente, na paralisação da ação penal contra os demais acusados, já que todos foram denunciados em um “mesmo vagão”.

— Quem fez a denúncia colocando todo mundo no mesmo vagão? O Ministério Público. Se sabia que Ramagem era deputado, poderia ter feito uma denúncia em separado. Agora não se pode querer responsabilizar apenas um trecho da composição — defendeu Gaspar.

A argumentação, no entanto, é refutada por juristas e ministros do STF. Interlocutores do ministro Alexandre de Moraes, relator do processo no Supremo, e do presidente da Primeira Turma da Corte, ministro Cristiano Zanin, já sinalizaram que a tendência do colegiado é não acatar a decisão da Câmara, por considerá-la uma extrapolação da competência constitucional do Legislativo.

Reação do STF e crise institucional

A leitura predominante no STF é de que o Congresso não tem poder para interferir em processos penais contra pessoas que não ocupam cargo parlamentar. Ainda segundo fontes da Corte, mesmo em relação a Ramagem, apenas os fatos ocorridos após sua diplomação como deputado poderiam ser objeto de sustação, e desde que haja avaliação de flagrante abuso.

Em ofício enviado à Câmara no final de março, Zanin alertou os deputados sobre os limites dessa prerrogativa. O documento reforçou que qualquer tentativa de ampliar os efeitos da suspensão para alcançar não-parlamentares ou fatos anteriores ao mandato esbarraria em evidente inconstitucionalidade.

O ministro Alexandre de Moraes, por sua vez, já havia afirmado que a Justiça não se submete a decisões que tentem interferir em sua jurisdição sobre crimes comuns.

Governo critica blindagem e fala em institucionalidade

Durante a votação, o líder do PT na Câmara, deputado Lindbergh Farias (RJ), classificou o projeto como uma “afronta à Constituição” e acusou a oposição de tentar livrar Bolsonaro e seus aliados de um julgamento inevitável.

— Isso aqui é uma tentativa desesperada de blindar um ex-presidente da República que atentou contra a democracia. A Corte vai desconsiderar completamente essa decisão. Não há base jurídica para isso. Aprovar esse texto é apequenar esta Casa — disse Lindbergh.

Contexto político e impacto

Ramagem foi denunciado no STF no dia 26 de março de 2024 pela PGR, junto com Bolsonaro e outras 32 pessoas, entre militares, ex-ministros e aliados do núcleo duro do governo anterior. A acusação aponta para um plano de golpe articulado nos bastidores do Palácio do Planalto, com elaboração de minutas para anular o resultado das eleições e decretar estado de sítio no país.

Para analistas, a medida aprovada pela Câmara representa uma tentativa explícita de enfrentamento ao STF, numa espécie de “contra-ataque institucional”. O gesto também marca o retorno da chamada “tutela legislativa” sobre ações penais de interesse político, revivendo debates da década de 1990 sobre impunidade de parlamentares.

A crise entre Judiciário e Legislativo tende a se agravar. Especialistas alertam que, caso o STF desconsidere a decisão — como já deu sinais — e prossiga com o julgamento, haverá uma escalada de tensões entre os Poderes, com potencial para desestabilizar o funcionamento institucional do país.

A Procuradoria-Geral da República ainda não se pronunciou oficialmente sobre a votação. Fontes do órgão indicam que a denúncia será mantida e que cabe ao Supremo decidir sobre o mérito da ação, independentemente da decisão da Câmara.

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