Lula oficializa assentamento em área invadida pelo MST há mais de 20 anos
MST E LULA | Presidente participou de cerimônia que legalizou a invasão e ocupação ilegal da antiga Fazenda Brasileira, no Paraná, onde 450 famílias vivem desde 2003
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) participou nesta quinta-feira (29) da cerimônia que oficializou a criação do Assentamento Maila Sabrina, em uma área de 10,6 mil hectares que pertenceu à antiga Fazenda Brasileira, entre os municípios de Ortigueira e Faxinal, no Paraná. A área estava ocupada desde 2003 por integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e foi agora formalmente desapropriada pelo governo federal para assentar 450 famílias.
A decisão marca a legalização de uma ocupação que começou de forma irregular, com a invasão da propriedade privada por militantes do movimento. A área, que antes era usada para criação de búfalos e estava em processo de degradação, foi transformada por mutirões da comunidade em uma espécie de vila rural com centro comunitário, posto de saúde, escola, mercado e áreas de lazer.
Durante o evento, Lula fez um discurso emocionado ao lado da Orquestra Popular Camponesa, e relembrou os tempos da Vigília Lula Livre, destacando a presença de agricultores do assentamento no apoio ao seu movimento de resistência enquanto esteve preso. O presidente criticou a paralisação da reforma agrária durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), acusando a gestão anterior de desmontar o Incra e bloquear políticas públicas para o campo.
“Vocês não invadem, vocês buscam dignidade”, declarou Lula, num discurso que relativizou a natureza da ocupação original da área. “Ocupamos aqui no primeiro mandato de Lula e estamos sendo assentados no terceiro”, resumiu Jocelda Oliveira, uma das líderes da comunidade.
A desapropriação da antiga fazenda faz parte do programa federal Terra da Gente, criado para acelerar a reforma agrária e regularizar ocupações antigas. O governo federal desembolsou R$ 340 milhões para indenizar os antigos proprietários da terra, oficializando assim a posse de uma área que, por mais de duas décadas, esteve sob controle do MST sem qualquer amparo legal.
A ministra Gleisi Hoffmann (PT), que também esteve presente, disse que a legalização do assentamento era um compromisso pessoal de Lula desde a campanha. “A eleição do presidente representou a formalização desse assentamento”, afirmou. Outros convênios assinados na cerimônia somam mais de R$ 50 milhões, com foco no fortalecimento da agricultura familiar e no combate à fome.
Apesar da celebração, o episódio evidencia um caminho controverso: a ocupação irregular de terras como método político e estratégico, seguida da posterior legalização pelo Estado. Segundo o Incra, há hoje no Brasil cerca de 145 mil famílias acampadas à espera de regularização, parte significativa delas em áreas invadidas. Durante o governo Bolsonaro, nenhuma terra foi desapropriada para fins de reforma agrária.
O atual governo promete assentar 60 mil novas famílias até 2026, além de beneficiar 326 mil já instaladas em áreas de reforma agrária, mas enfrenta resistência no Congresso, onde, como lembrou o ministro do Desenvolvimento Agrário Paulo Teixeira (PT), a base do governo é minoritária e os recursos orçamentários escassos.
No Paraná, onde o caso da Fazenda Brasileira se tornou símbolo da persistência do MST, existem hoje 329 assentamentos oficiais e 80 acampamentos. Ao legalizar a ocupação iniciada com o Acampamento Che Guevara, o governo dá um sinal claro de que pretende seguir o mesmo caminho para outras áreas invadidas – mesmo que isso, para muitos, represente uma inversão da lógica legal e da segurança jurídica no campo.

