Morre Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai e ícone da esquerda latino-americana
PEPE MUJICA | Líder revolucionário e símbolo de austeridade, Mujica faleceu aos 89 anos deixando um legado de luta, coerência e humanidade
O ex-presidente do Uruguai José “Pepe” Mujica morreu nesta terça-feira (13), aos 89 anos, vítima de complicações de um câncer com metástase no fígado. A doença havia sido diagnosticada em maio de 2024. Ícone da esquerda latino-americana, Mujica foi mais que um chefe de Estado: representou, até o fim, um modelo raro de coerência entre discurso e prática, encarnando valores de simplicidade, solidariedade e compromisso com as causas sociais.
Nascido em Montevidéu em 20 de maio de 1935, filho de imigrantes bascos e italianos, Mujica teve uma infância marcada pela perda precoce do pai e o trabalho nos campos e feiras para ajudar a sustentar a família. Na juventude, ingressou no Movimento de Libertação Nacional-Tupamaros (MLN-T), grupo guerrilheiro que tentou derrubar o regime pela força na década de 1960, inspirado na revolução cubana. Preso quatro vezes, ficou 13 anos encarcerado, boa parte em solitária, sob tortura, durante a ditadura militar uruguaia.
Com a redemocratização, foi anistiado e trilhou uma trajetória política institucional como deputado, senador, ministro e, finalmente, presidente do Uruguai, cargo que ocupou de 2010 a 2015. Seu governo promoveu reformas sociais progressistas que chamaram atenção do mundo, como a legalização da maconha, do aborto e do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Em 2013, com essas medidas, colocou o país na vanguarda mundial dos direitos civis.
Mas foi sua vida austera que cativou corações além da política. Recusando privilégios e adotando um estilo despojado — morava em uma chácara simples, dirigia um fusca e doava a maior parte do salário —, Mujica ficou conhecido internacionalmente como “o presidente mais pobre do mundo”. Ainda assim, figurou entre as cem pessoas mais influentes do planeta pelas revistas Time e Foreign Policy.
Seu governo também enfrentou críticas: não conseguiu cumprir promessas em áreas como infraestrutura e educação e terminou com déficit fiscal significativo e problemas na petrolífera estatal. Ainda assim, saiu da Presidência como uma das figuras mais respeitadas da política uruguaia.
Mesmo após deixar o poder, Mujica seguiu atuante. Voltou ao Senado e foi figura central na vida política do país. Em 2020, deixou a vida parlamentar devido à pandemia de Covid-19. Em seus últimos meses, dedicou-se à campanha de seu herdeiro político, Yamandú Orsi, eleito presidente para o mandato de 2025 a 2030.
No último adeus aos “compatriotas”, no início de 2025, pediu para morrer tranquilo:
— O guerreiro tem direito a seu descanso.
Sem filhos, casado desde 2005 com a ex-vice-presidente Lucía Topolansky, Mujica foi um pensador popular que falava com simplicidade de temas complexos, defendendo o amor como “o único vício saudável”. Sua vida virou livros, filmes, murais e lendas. Com ele, se vai um pedaço da história viva da América Latina.

