Dez anos depois do 7 a 1, o que mudou no futebol brasileiro

Fosse outra modalidade, o 7 a 1 da Alemanha sobre o Brasil na semifinal da Copa do Mundo de 2014 talvez estivesse mais protegido dentro da margem indicada pelos números. O largo placar, estranho no futebol profissional, ainda mais no momento em que ocorreu, porém colocou à prova o mais democrático dos esportes, aquele em que, vez por outra, a justiça premia os mais fracos na balança das diferenças sejam elas quais forem.


O fato é que passada uma década da maior derrota em que uma seleção tradicional já sofreu nas histórias dos Mundiais, muito mais do que lembrar onde se estava naquele dia – e isso diz muito sobre o tamanho do acontecimento –, observá-lo dez anos depois incorre em novas perspectivas vencidas a anestesia e as reações apressadas do impacto causado. Não somente no Brasil, o lado perdedor da história, mas também no alemão, o vencedor. Se o placar do Mineirão mostrava que o oceano Atlântico dimensionava a distância que separava as duas equipes, o que se vê desde então não é bem assim.


A subjetividade de análises e hipóteses subsequentes ao desastre brasileiro foi engolida pela caricatura transformada na expressão pejorativa que virou o “7 a 1”. Por exemplo, a lembrança das ausências de Thiago Silva, capitão da Seleção e Neymar, principal jogador do time (substituído por Bernard, jogador do Atlético-MG para “ganhar” a torcida mineira no estádio, conforme explicação do treinador Felipão) ou da campanha alemã até ali perderam força com o passar do tempo. Os alemães, cantados em prosa e verso a partir dali, precisaram da prorrogação para superar a Argélia nas oitavas-de-final e a Argentina, na decisão. Ou seja, naqueles casos o futebol foi mais gentil com os derrotados.


No calor da inconformidade e da perplexidade quando a comissão técnica no dia seguinte à eliminação lia em entrevista coletiva uma “carta da dona Lúcia”, em apoio à Seleção, o resultado colocou luz ao episódio trágico, naquele momento cômico, mas para sempre emblemático. “Placares muito dilatados fazem a balança pender irremissivelmente para um dos lados. O significado (as jogadas, a iminência não cumprida do gol) fica frágil demais diante da enormidade do que foi efetivamente cumprido (o placar). O 7 a 1 contra a Alemanha pertence com certeza a esse hiato do futebol, no qual pouco há para discutir”, escrevia na revista Piauí na época o artista plástico e escritor Nuno Ramos no artigo ‘O “Verdadeiro futebol brasileiro” está matando o futebol brasileiro’. Só que discussão foi o que mais houve desde a fatídica data.



O ponto de partida e viga maciça das explicações para o vareio europeu encontrava suporte em algo pensado muito mais cedo de a bola rolar nos gramados brasileiros naquela Copa. Oito anos antes, guardadas as proporções, os alemães também sofreram dentro de casa e ali colocaram o dedo na ferida. Na verdade um pouco antes. “Pós- Euro-2000, a federação alemã obrigou que os 32 clubes (18 das séries A e B) tivessem investimento na base. Dessa mobilização nasceu a geração vencedora da Copa de 2014. Alguns nomes já vinham da Copa de 2006 na Alemanha”, explica Mário André Monteiro, jornalista editor do site Alemanha FC, especializado no futebol alemão.


O respaldo de uma goleada histórica na maior seleção do mundo, somado ao quarto troféu em mundiais colocou a Alemanha como referência no planeta, afinal de contas, os resultados postos evidenciavam o sucesso do modelo adotado. Porém, ao olhar o que aconteceu de lá para cá com os protagonistas dos 7 a 1, não se encontram números para sustentar a eficácia de outrora. Ou seja, é o futebol da prática relativizando o da teoria. “O que aconteceu? Essa é a pergunta porque o projeto continua sendo feito e permanece. Os clubes continuam com investimentos. Eu acho que é falta de material humano mesmo. De lá para cá, os jovens não foram de qualidade. Diferente de agora na última leva. Talvez por isso esse hiato sem grandes apresentações da seleção alemã”, completa Monteiro.


Justamente o confronto entre teoria e prática pautou o debate no Brasil quando o caldeirão do 7 a 1 não dava sinais de parar de borbulhar. O que se viu ali foi um fenômeno sob vários aspectos, dentro e fora de campo. “O 7 a 1 foi meio que aquele processo que a gente tem quando toma um baque. Primeiro, a tristeza. Depois, a aceitação. Após isso, a revolta. E, no final, uma quase resignação que faz a gente tentar achar culpados, hipóteses e considerações”, revê Carlos Guimarães, comentarista da Rádio Guaíba e especialista em Seleção Brasileira. Para ele, este fenômeno encontra três explicações:


  1. “Tínhamos que estudar e que não adiantava só ser empírico. Isso produziu uma série de treinadores no país e eles não funcionaram – talvez Fernando Diniz seja uma exceção. Eram profissionais jovens, teóricos, afinados com linguagens e conhecimento tático.
  2. Invasão estrangeira: vamos aprender então com portugueses e argentinos. Não foi só o sucesso do Jorge Jesus e de Abel Ferreira, foi entender que o treinador brasileiro estava defasado e que esse conhecimento viria de fora.
  3. Mudança na análise: produção de analistas táticos, de canais sobre desempenho e performance e a ideia de que o que importava era a tática.”

A derrota acachapante dentro de casa invadiu terrenos fora das quatro linhas na tentativa de buscar sua compreensão. Do ponto de vista da comunicação não resta dúvida de que seus ingredientes formam o que se chama de ‘interrupção da normalidade’ quando um acontecimento rompe a barreira linear da sequência de fatos e, uma simples notícia de quem passou para a final de uma competição, se torna algo de outra natureza:

“A característica de imprevisibilidade não é imprescindível. Por exemplo, existem acontecimentos absolutamente previsíveis: a visita de uma autoridade, a entrega de um prêmio, os casamentos de personalidades etc”. Fosse estudioso do futebol, Miquel Alsina, professor espanhol especializado em estudos do acontecimento, certamente usaria a escolha de Felipão por Bernard para o lugar de Neymar como um exemplo em suas aulas. Por outro, o sociólogo francês Lou Quéré avança alertando da dualidade desses episódios. E como tentamos entender as consequências para brasileiros e alemães do que aconteceu no Mineirão, a contribuição é valiosa: “O acontecimento é um fato ocorrido no mundo, suscetível de ser explicado como um encadeamento – ele é um fim onde culmina tudo que o precedeu”…. mas também é “um fenômeno de ordem hermenêutica: por um lado ele pode ser compreendido, e não apenas explicado, por causas; por outro ele pode fazer compreender as coisas – tem portanto um poder de revelação”.

A revelação dos 7 a 1 do dia 9 de julho de 2014 não é singular. Não indica apenas um fator causa e muito menos uma consequência específica. Exatamente dez anos depois, as ações, as reações e algumas comprovações a colocam no espelho. No entanto não revelam uma imagem literal, pois por pior que tenha sido para os brasileiros e melhor para os alemães, ambos os lados seguiram seus passos dentro de uma cultura futebolística que não encontra sentido nos resultados colhidos.

O time do 7 a 1 – Júlio César; Maicon, David Luiz, Dante e Marcelo; Luiz Gustavo e Fernandinho (Paulinho); Bernard, Oscar e Hulk (Ramires); Fred (Willian).

O modelo alemão permanece inalterado. O técnico alemão Joachim Löw durou mais tempo no cargo e só há dois nomes depois dele. No Brasil, o outrora ultrapassado Felipão, empilhou taças aqui e novamente lá fora. Desde sua saída, estamos no quarto treinador, sendo que aquele que a atual presidência da CBF gostaria de ter no comando da Seleção, o italiano Carlo Ancelotti, agradeceu o convite de Ednaldo Rodriguez sem muitas explicações. Aliás, o presidente da entidade máxima que rege o futebol brasileiro é o quinto dirigente a ocupar o posto em dez anos. Ou seja, há muito o que se aprender, embora alguns passos para frente tenham sido dados.

“Entendo que a gente evoluiu na preparação como um todo, como a chegada de treinadores estrangeiros, embora nenhum alemão. E temos que ter humildade para reconhecer os erros de preparação para aquela Copa: treinador, preparação física, gestor, cartola, médico e até da imprensa. A gente precisa sair desse discurso comum mesmo com o resultado incomum como foi. Nosso futebol evoluiu na organização e nossa Seleção não, pois mesmo com trabalhos que entendo muito bons e consistentes com o Tite, o time chegou menos longe do que o de 2014, mesmo com o 7 a 1”, diz o comentarista esportivo Mauro Betting.

Do time titular que para sempre será lembrado como o do maior vexame da história da Seleção Brasileira, seis atuam no atual Campeonato Brasileiro. Alguns como Hulk, com grande destaque desde que retornou ao país ou Fernandinho, ídolo do Manchester City de Pep Guardiola, na Inglaterra. A mancha no currículo não foi suficiente para que o talento prevalecesse à força do tempo e da crueldade que, às vezes, o futebol é capaz de produzir. Talvez por ser o mais justo dentro os esportes. “O grande problema foi considerarem o 7 a 1 como causa ou consequência, quando ele é , na verdade, percurso”, encerra Guimarães.Seleção alemã acumulou resultados negativos desde a Copa de 2014 Seleção alemã acumulou resultados negativos desde a Copa de 2014 | Foto: Adrian Dennis / AFP / CP Memória


A Alemanha após o 7 a 1


Euro 2016: eliminada na semifinal para a França

Euro 2020: eliminada nas oitavas pela Inglaterra

Euro 2024: eliminada nas quartas de final

Copa 2018: eliminada na primeira fase no grupo com Suécia, México e Coréia do Sul

Copa 2022: eliminada na primeira fase no grupo com Japão, Espanha e Costa Rica


Todos os treinadores do Brasil após o 7 a 1


Dunga: retornou após saída de Felipão, foi mal nas Eliminatórias e demitido em 2016, após eliminação na Copa América para o Peru.

Tite: ficou de 2016 a 2022. Teve o trabalho reconhecido, mas decepcionou em duas Copas do Mundo, sendo eliminado nas quartas em ambas, pela Bélgica em 2018 e pela Croácia em 2022. Foi campeão da Copa América de 2019, disputada no Brasil.

Ramon Menezes: foi interino em 2023, quando perdeu para Marrocos, entre outros.

Fernando Diniz: escolhido para um período tampão até a chegada de Carlo Ancelotti que nunca aconteceu.

Dorival Junior: surpresa mais pela saída de Diniz do que por sua chegada. Perfil conciliador começou bom bons jogos nas casas de Inglaterra e Espanha, mas em sua primeira competição oficial, foi eliminado pelo Uruguai nas quartas de final da Copa América de 2024.


A trajetória do Felipão após o 7 a 1

2014: volta ao Grêmio duas semanas depois do 7 a 1

2015, 2016 e 2017: campeão chinês e da Liga Asiátiva pelo Guangzhou Evergrande

2018 e 2019: volta para assumir o Palmeiras e é campeão brasileiro. Demitido dias depois da eliminação na Libertadores para o Grêmio

2020/2021: volta ao Cruzeiro na Série B para tentar escapar da C. Não cumpre o contrato

2021: quarta passagem no Grêmio, é demitido em meio à campanha rumo à Série B

2022: Ahtletico vice campeão da Libertadores. Anuncia aposentadoria e vira cordenador.

2023: Deixa o Athletico-PR e aceita treinar o Atlético-MIneiro. Sai no começo do ano.


Presidentes da CBF após o 7 a 1


José Maria Marin: preso por corrupção na Suíça pelo FBI após escândalos. Banido no futebol

Marco Polo Del Nero (2015 a 2017): banido de atividades relacionadas ao futebol pelo Comitê de Ética da FIFA tem medo de deixar o Brasil por risco de prisão por propina.

Coronel Nunes (2017 a 2019): esteve mais de uma vez no cargo, fruto de manobras políticas

Rogério Caboclo: (2019 a 2021): afastado por acusação de assédio sexual por três funcionárias da CBF

Ednaldo Rodrigues (2021 a atualmente): alçado ao posto por decisão jurídica.

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